sábado, 26 de março de 2011

Por que o transplante de células-tronco não é cura do diabetes tipo 1 ?

Desde as primeiras notícias na mídia leiga sobre os estudos de nosso grupo da USP-Ribeirão Preto, muitas pessoas fazem um link entre transplante de células-tronco e cura do diabetes tipo 1. Ó óbvio que a cura é o principal objetivo de qualquer médico ou pesquisador.

Devemos nos lembrar porém que o diabetes tipo 1 é uma alteração crônica da glicemia e da secreção de insulina e seu tratamento baseia-se em alguns pilares que são:
1- Compreensão  e aceitação da doença;
2- Alimentação saudável;
3- Exercícios físicos regulares;
4- Insulinoterapia;
5- Monitorização de glicose

Como pode-se ver, o que conseguimos no transplante até hoje é suspender o uso de insulina em vários pacientes ao longo do tempo. Porém, em nossas pesquisas, recomendamos veementemente que nossos pacientes mantenham a atividade física regular, alimentação saudável e medição regular das glicemias capilares.

Temos pacientes que ficaram livres de insulina por longo período e retomaram o uso de insulina novamente. Certamente, em muitos casos, se o paciente tivesse seguido as recomendações adequadamente ele conseguiria ficar ainda mais tempo sem usar insulina.

Com muita frequencia recebo no consultório pacientes diabéticos ou seus familiares dizendo que procuram o transplante de células-tronco porque não aceitam o diabetes e querem viver sem ele. Nestes casos, faltam-lhes o alicerce básico para o correto tratamento do diabetes e sem este alicerca não podemos fazer nada.

O transplante de células-tronco não é uma fuga, mas sim uma pesquisa muito séria que avalia uma das principais promessas da humanidade (células-tronco) no tratamento de uma doença comum que é o diabetes tipo 1.

Quem nos procura tentando viver a vida chamada "normal" geralmente comete um grande engano. Estas pessoas muitas vezes acham normal comer doce e açúcar diariamente; acham normal comer aqueles biscoitinhos condimentados repletos de gordura e sal; acham normal comer fast-food com frequencia; acham normal ser sedentários e comer coxinha e esfiha no recreio da escola; acham normal almoçar e repetir o prato 2 ou 3 vezes e nem sequer comer uma verdura ou um legume.

O que nós queremos é que nossos pacientes tenham uma vida saudável e com qualidade de vida, níveis de glicemia adequados e muita disposição para viver aceitando o diabetes e não vendo-o como um inimigo, mas sim como um aliado. Tenho muitos pacientes que melhoraram muito após o diabetes. Graças ao diabetes que eles hoje se preocupam realmente com uma vida saudável.

Vamos refletir...

quarta-feira, 9 de março de 2011

Fim da reunião de Chicago - Em que pé o Brasil está em comparação à Europa e à América do Norte no uso de células-tronco para Diabetes?

Acabo de chegar de mais um meeting promovido pela Northwestern University em Chicago. Esta importante universidade norte-americana tem o maior número de transplante de células-tronco para tratamento de doenças autoimunes do mundo. Eles já fizeram mais de 400 transplantes e as doenças transplantadas incluem lúpus eritematoso, artrite reumatóide, doença de Crohn, esclerose múltipla, esclerose sistêmica e outras doenças autoimunes.

Neste encontro de 2 dias com pesquisadores dos Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido e Suécia o tempo foi subdividido para discussões e para mostrar a experiência de cada grupo com cada doença em específico.

Em meio a diversas "feras" mundiais estávamos eu e o Prof Júlio Voltarelli  representando o Brasil (vide foto abaixo).

Da esquerda para a direita: Dr Sandeep Jain (USA), Dr Júlio Voltarelli (Brasil), Dr Richard Burt (USA), Dr Jean-François Gautier (França), Dr Jan Storek (Canadá), Dra Dominique Farge Bancel (França) , Dr Carlos Eduardo Couri (Brasil) e Dr John Snowden (Reino Unido)

Alguns fatos merecem destaque neste meeting:
1- Apesar de os Estados Unidos (FDA) terem aprovado nosso protocolo para uso de células-tronco para diabetes tipo 1, eles não têm nenhuma experiência em humanos nem mesmo a poderosa Harvard University;

2- Por incrível que pareça, os únicos grupos no mundo até o momento com unidades exclusivas para tratamento de doenças autoimunes com células-tronco são a Northwestn University de Chicago e o HC Ribeirão Preto - USP.

Obviamente que a terapia celular ainda é um tema muito controverso no geral, mas neste meeting destacou-se o fato de sermos o único grupo convidado com experiência em humanos com diabetes tipo 1.

Outros grupos no mundo que estão replicando nossa pesquisa são Universidade de Varsóvia na Polônia e de Nanjing na China. estes 2 grupos juntos estudaram menos de metade dos pacientes que já tivemos. Estes grupos ñão foram convidados.

Mas por que o Brasil está na frente?
Tanto no transplante com quimioterapia+células-tronco hematopoéticas como o transplante de células mesenquimais somos pioneiros mundiais e certamente nossa legislação sobre ética em pesquisa com células-tronco maduras (não-embrionárias) está muito avançada.
O ponto-chave para isto é sem dúvida a capacidade inovadora inerente ao Brasil e pelo fato de nos "virarmos da forma que dá", apesar de todas as dificuldades.

Retorno deste encontro com muita força para continuar com ainda mais afinco. Nossa estrutura ainda deixa a desejar em relação os países desenvolvidos no momento. Imagine só se tivéssemos apoio financeiro que eles têm? Lembre-se de que estou falando de uma Escola Médica localizada no interior de São Paulo.

Pena que no Brasil todos os pesquisadores acabam tendo que se "virar nos 30" para conseguir realizar sonhos, mudar a vida das pessoas e ter produção científica de alto nível.

Mas este é o caminho!  ...  Vamos em frente ! ....